O que é Química Computacional?

Guilherme Duarte
3 min readJun 5, 2020

O século XXI começou com a chamada “dotcom bubble” (bolha ponto-com, em alegoria aos endereços eletrônicos), uma supervalorização de empresas de tecnologia da informação que trabalhavam com vendas na internet. A primeira grade crise econômica do século quando essa bolha estourou em 2001. Razões econômicas à parte, o que se via era o presságio que computadores se tornariam uma parte importante do novo século. Nas ciências exatas, o uso da computação já era um processo em andamento: computadores são ótimos realizadores de tarefas repetitivas e podem ser programados para serem excelentes calculadoras numéricas.

A época entre o final dos anos 1970 e os anos 2000 viu todo o arcabouço teórico criado no início do século XX — a mecânica quântica, a mecânica estatística de fluidos etc — sendo implementado em programas que previam propriedades físico-químicas com certa precisão. Assim nasceu a Química Computacional a partir da Física Atômica e Molecular e da Física de Matéria Condensada. Hoje, com o avanço da automação no mercado de trabalho, com a necessidade de tratar os recursos físicos com maior cuidado e com a limitação dos orçamentos de pesquisa, o seu papel se tornou ainda mais central.

Ao se falar em Química Computacional, tradicionalmente se pensa em cálculos de estrutura eletrônica, em mecânica molecular, em dinâmica molecular e em químioinformática. Cálculos de estrutura eletrônica são métodos baseados em aproximações da famosa equação de Schrödinger para espécies químicas multieletrônicas e têm o maior poder preditivo de todas as técnicas. Infelizmente, entretanto, são técnicas muito custosas: o cálculo da energia de uma molécula é um processo iterativo que pode demorar até convergir.

Orbitais de fronteira HOMO (acima) e LUMO (abaixo) do ácido cinâmico, obtidos de um cálculo de estrutura eletrônica.

Se quisermos uma amostragem de diversas configurações moleculares, cálculos de estrutura eletrônica não são computacionalmente eficientes e usamos a mecânica molecular, onde a energia da molécula é descrita por uma função (campo de forças) parametrizada de acordo com cálculos quânticos e grandezas experimentais. Uma das aplicações mais comuns é no estudo do ancoramento (docking) entre uma proteína e um ligante: tanto a proteína quanto os candidatos a ligantes são representados por campos de força para descobrir a melhor energia de interação.

Estrutura terciária de um receptor de serotonina (PDB: 5TVN)

Muitas das propriedades físicas de interesse são médias de seus valores calculados para inúmeras configurações microscópicas. Para calculá-las, usamos a dinâmica molecular, onde a evolução temporal de átomos e moléculas é simulada de acordo com as leis de Newton. Outra forma de explorar as diversas configurações microscópicas é o método de Monte Carlo, onde átomos e moléculas são aleatoriamente mudados de posição e a nova configuração pode ou não ser aceita de acordo com critérios definidos por quem planejou o experimento.

Pequeno intervalo da trajetória de moléculas de ácido acetilsalicílico em um cristal.

Ainda assim, quando se lida com centenas de milhares ou milhões de moléculas às vezes compensa usar métodos ainda mais simples. A químioinformática cumpre esse papel criando a possibilidade de predizer propriedades físico-químicas de determinadas substâncias a partir de propriedades moleculares diversas, sejam elas estruturais ou não.

Hoje, entretanto, a Química Computacional está em expansão por conta do momentum ao redor da inteligência artificial, da automação de processos e do planejamento de experimentos. Tradicionalmente associada à Físico-Química, a Química Computacional hoje se expande para outras áreas e eu me arrisco a dizer que químico nenhum deveria sair da universidade sem saber o mínimo de programação e sem conhecer um pouco das técnicas básicas de Química Computacional. Por conta disso, eu farei um exercício de futurologia a respeito do que vem por aí e escreverei um artigo a respeito nas próximas semanas. Não deixem de acompanhar!

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Guilherme Duarte

Ninguém particularmente interessante. Ciência, história, atualidades. Ph.D. Chemistry UC Irvine (2018)